sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Dias de Chuva


Todas as manhãs ele me acordava gritando, batendo em si próprio, irritando-me até o último fio de cabelo. Sinto admitir mais o despertador é detestavelmente odioso, principalmente naquelas manhãs de chuva e Céu nublado quando até o Sol pede a Deus pra acordar mais tarde.

O café com leite torna o dia mais caloroso, o pão com manteiga mais cremoso. O guarda-chuva, guarda a chuva, já eu nem tanto assim.

As ruas pareciam mais serenas. Os meninos que largaram a TV pelo banho de chuva e corridas com barquinhos de papel me fez nostalgiar um pouco a história de Zélia Gattai, do livro “Anarquistas, graças a Deus” que tinha pego com um amigo a algumas semanas por pura curiosidade do título mais que havia me fascinado pela delicadeza dos relatos da infância da autora.

Na Sala de espera da clínica “mato” minha sede de nostalgia com o livro e com outra figurinha intrigante.

Seu Arimatéia!!!!!!

Grita a recepcionista.

Aquele senhorzinho magrinho, com poucos cabelos, todos brancos, nariz grande e pontudo, boca funda e sorriso engraçado me chamou a atenção. Apesar de meio desengonçado, muito elegante e cuidadoso, digo isso pois, logo depois a recepcionista gritou também meu nome e ao chegar a sala de fisioterapia observei como ele tirava cuidadosamente a camisa branca de gola e dobrava com todo jeito pra não amassar. Quase 20 minutos depois ele já tava deitado com o saco de gelo nas costas no mais profundo sono.

Dormia como um bebê, bem “bebê” não seria a comparação mais certa a um senhor de quase 80 anos de idade, mais o que me intrigava no Seu Arimatéia era justamente isso.

Como uma pessoa que já tanto viveu, que já tanto andou, que já tanto pulou (sei lá se ele gostava de pular, mais é uma hipótese), se torna tão frágil ao mundo que ele mesmo enfrentou um dia?!

Passei alguns minutos observando o Seu Arimatéia, ele me fez pensar em coisas que eu nunca havia pensado, me fez imaginar coisas que possivelmente ele já tivesse vivido, aventuras e frescuras, dores e amores, momentos e sentimentos, me fez realmente dá uma razão para aquelas sessões chatas e intermináveis de fisioterapia.



Ao Seu Arimatéia

Sei como é duro viver

Talvez menos que você

Sei que o despertador ainda muito vai me encomodar e irritada vou ficar

Mais mesmo assim prometo a ti que vou me encantar com cada xícara de café com leite e pão com manteiga, com cada momento e sentimento que eu encontrar por aí.

Vou sim, embebedar-me com histórias nostálgicas, sorrisos espontâneos, sapatos molhados e andados engraçados.

E mesmo quando nada parecer fascinante procuro uma formiga e fico a observá-la até morrer de rir de mim mesma!