É incrível como existem pessoas perfeccionistas, principalmente desenhistas. Imagine só que muitos deles medem minuciosamente 47 cm de um galho para desenhá-lo. Acontece também no caso dos auto-retratos, onde é desenhado ruga por ruga, cada "pé-de-galinha" em seu lugar e as expressões são criteriosamente bem definidas.
Como se não bastasse a paranóia do desenhista com os detalhes, ao terminar o desenho, que deveria ser um elogio, parece mais um insulto á pessoa desenhada.
Afinal, para que expor tantos detalhes que normalmente as pessoas preferem esconder?! Aliás, mostrar as imperfeições ficou para as fotografias. Onde não há maior perfeição da imagem. Nas mãos de um bom fotógrafo se torna quase invisível todos aqueles “defeitinhos”, que não gostamos de mostrar.
Enfim, se eu fosse uma desenhista também seria perfeccionista: ― O que já sou! Porém, ao invés de medir exatos 47 cm dos galhos de árvores, faria simplesmente um galho. As pessoas seriam simplesmente pessoas, claro que cada uma com sua singularidade bem definida, e suas imperfeições disfarçadas.
Esse texto eu escrevi na aula de redação, onde o professor Aluísio (homem fino, educado e poeta caduco) pediu que nós fizéssemos uma dissertação baseada em algum texto que nós mesmos escolhêssemos. O texto em que me baseei para escrever "Pequenos Defeitinhos" foi:
O Retrato de Eurídice
Mario Quintana
Não sei por que há de a gente desenhar objetivamente as coisas: o galho daquela árvore exatamente na sua inclinação de 47 graus, o casaco daquele homem justamente com as ruguinhas que no momento apresenta, e o próprio retratado com todos os seus pés-de-galinha minuciosamente contadinhos... Para isso já existe a fotografia, com a qual jamais poderemos competir em matéria de objetividade.
Se tivesse o dom da pintura, eu seria um pintor lírico. Quero dizer, o modelo serviria tão-só de ponto de partida.
E só me dispusesse a pintar Eurídice, talvez viesse a surgir na tela um hostil, o arco tendido da lua, um antílope, uma flâmula ao vento, ou uma forma abstrata qualquer, injustificável a não ser pelo seu harmonioso ímpeto em câmara lenta, pela graça da linha curva em movimento, porque Eurídice afinal é tudo isso... É tudo isso e outras coisas que só os anjos e os demônios saberão.